BRASIL: SEM CRESCIMENTO ECONÔMICO, OS POBRES FICAM MAIS POBRES E OS RICOS MAIS RICOS - DIEESE
BOLETIM DE CONJUNTURA-DIEESE-Número 19 - Setembro de 2019
A PERVERSA MARCHA DA INSENSATEZ Introdução A economia brasileira permanece há três anos com o PIB em torno de 1% (2017,2018,2019), após dois anos da mais grave recessão da história do Brasil, contrariando as promessas de campanha do governo federal. A equipe econômica do governo que, até recentemente, afirmava que a aprovação da reforma da previdência (PEC 06/2019) traria crescimento econômico e emprego mudou o discurso. Começam a dizer que, mesmo com o avanço das “reformas”, a economia continuará patinando e não há perspectivas de recuperação no curto ou médio prazos. A previsão esperada do crescimento do PIB para este ano é de cerca de 0,9% e, para o ano que vem, de 1,8%. Não há recuperação à vista. O que se assiste é a continuidade da deterioração das condições de emprego e renda dos trabalhadores. Cálculos de assessorias empresariais estão projetando que, mesmo que o Produto Interno Bruto retorne, em 2021, ao patamar de antes da crise, o PIB per capita só voltará ao nível desse mesmo período em 2023. A PEC 06/2019, da reforma da previdência, que tramita no Senado Federal, se aprovada, provocará grande prejuízo social e econômico a quase 100 milhões de brasileiros que dependem direta ou indiretamente da Previdência Social. Sistemas de seguridade social que proporcionam condições razoáveis de saúde, previdência e assistência social encontram-se no “olho do furacão” no mundo todo. Tornaram-se artigo de luxo em países subdesenvolvidos e periféricos como o Brasil e, mesmo nos países capitalistas centrais, trabalhadores encontram grandes dificuldades para manter os direitos laborais, de saúde e previdenciários, obtidos em lutas seculares. As medidas de desmonte do Estado brasileiro começaram em 2016. Primeiro, aprovou-se a Emenda Constitucional 95, que congelou em termos reais, por 20 anos, todos os gastos do orçamento da União (saúde, educação, meio-ambiente etc.), exceto os destinados ao pagamento Não há recuperação à vista. O que se assiste é a continuidade da deterioração das condições de emprego e renda dos trabalhadores. Mesmo que o Produto PIB retorne, em 2021, ao patamar de antes da crise, o PIB per capita só voltará ao nível desse mesmo período em 2023.
SOBRE A DÍVIDA PÚBLICA: Em seguida, veio a regulamentação da contratação de terceirizados em atividades fim das empresas. Depois, a reforma trabalhista em 2017, que retirou direitos e está levando os sindicatos à asfixia financeira. E ainda há muitas outras medidas com menor alcance colocadas em prática. Tudo isso tem como resultado o desmonte do mercado e da proteção laboral, a redução dos salários e da renda do trabalho. A evolução do mercado de trabalho Há uma relação direta entre a geração de empregos formais no Brasil e o bom funcionamento do sistema de previdência. São as contribuições previdenciárias dos trabalhadores que possuem vínculos formais (celetistas e estatutários) e dos empregadores que, majoritariamente, garantirão o pagamento das aposentadorias e pensões daqueles que já cumpriram o período de vida laboral. A piora do mercado de trabalho nem sempre é observada de forma clara e objetiva. Os sinais aparentemente divergentes de emprego e desemprego no Brasil dificultam a análise. Com o objetivo de superar esse desafio, de melhor compreender o mercado de trabalho a partir de uma visão multidimensional, o DIEESE desenvolveu o Índice da Condição do Trabalho (ICT). Trata-se de um indicador sintético, construído com base em um amplo conjunto de medidas sobre ocupação, renda e formas de contratação, que incluem contribuição previdenciária, tempo de procura de trabalho, desigualdade de renda, entre outros, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC-IBGE) desde 2012. O ICT varia entre 0 e 1 - quanto mais próximo de 1, melhor a condição do trabalho. O ICT elevou-se de forma intensa, entre o início de 2012 e o primeiro trimestre de 2014, passando de 0,48 para 0,70, o que representa melhora na condição do trabalho. Após esse período, com recorde de 49,6 milhões de postos formais de trabalho, em 2014, redução do desemprego e aumento da renda, com impulso da política de valorização do salário mínimo, a situação começou a se inverter, com a crise econômica e política, intensificadas a partir de 2015. Rapidamente os problemas cresceram: fechamento de postos de trabalho, elevação da informalidade, aumento da precariedade e queda da renda. Esse movimento é captado pelo ICTDIEESE, que, no segundo trimestre de 2019, atingiu 0,35. Entre 2015 e 2017, o Índice caiu, consequência da piora do subíndice Desocupação, com a elevação do desemprego total e para os responsáveis pelos domicílios e o aumento do tempo de procura por trabalho pelos desempregados, ainda que em menor intensidade. Em 2017, a piora foi no subíndice Inserção Ocupacional, com queda do emprego com carteira assinada e redução no tempo de permanência no trabalho. Em 2018, destaca-se a elevação da desigualdade de rendimento do trabalho. E, em 2019, embora tenham sido criados empregos, grande parte era informal (sem carteira de trabalho ou conta própria sem contribuição à previdência), o rendimento médio real foi reduzido e o desemprego de longa duração e o desalento permanecem altos.
SOBRE O TRIMESTRE ENCERRADO EM AGOSTO DE 2019, segundo a PnadC, a taxa de desemprego apresentou leve queda e ficou em 11,8%. Ainda assim, há perto de 12,8 milhões de pessoas buscando trabalho, segundo o IBGE. Também essa leve melhora na taxa de desocupação vem acompanhada de recorde na informalidade. Segundo o Instituto, 41,4% da população ocupada é informal, a maior proporção desde 2016, quando o indicador passou a ser produzido. Dos 684 mil que conseguiram uma colocação no trimestre fechado em agosto, 87,1% foram para o mercado informal. O número de trabalhadores sem carteira assinada no setor privado atingiu 11,8 milhões e os por conta própria somaram 24,3 milhões, os maiores números desde o início da série histórica, em 2012.O número de desalentados somou 4,7 milhões; 7,2 milhões estavam subocupados por insuficiência de horas trabalhadas; os desalentados chegaram a 4,7 milhões. A população subutilizada, que reúne desempregados, subocupados e pessoas que estavam fora do mercado de trabalho, mas que poderiam trabalhar, foi estimada em 27,8 milhões de pessoas. Os dados mostram que a precarização avança e o conjunto de medidas de desestruturação do Estado brasileiro, agora em relação à Seguridade Social, através da PEC 6/2019 (em tramitação no Senado Federal), deve aprofundar o empobrecimento da população brasileira e dificultar ainda mais a retomada do desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo. A política de privatizações O governo federal anunciou, em 21 de agosto, a relação de 14 empresas estatais brasileiras que deverão começar a passar pelo processo de privatização ainda este ano. O anúncio do pacote prevê a privatização até da Casa da Moeda. As grandes empresas públicas nacionais são de interesse de grupos econômicos de todo o mundo. Somente Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil e Caixa possuem juntas mais de 80 subsidiárias, que, a depender da decisão do STF, poderão ser privatizadas pelo governo Bolsonaro sem licitação e controle do Congresso Nacional. A Petrobras, principal empresa do país, está sendo vendida aos poucos. Recentemente, foi anunciada a decisão de privatizar a BR Distribuidora, reduzindo de 71% para 40% a participação da empresa na subsidiária e colocando em movimento uma das maiores transferências de patrimônio público do governo Bolsonaro. A medida retira a Petrobras de mais uma das inúmeras atividades econômicas realizadas por ela. Além da Embraer, vendida recentemente para a Boeing1, outra empresa que está na mira das privatizações é os Correios, que, apesar de toda a crise no país, atingiu lucro líquido de R$ 1 A Embraer foi privatizada em 1994, no fim do governo Itamar Franco, por R$ 154,1 milhões. O acordo feito na época previa ao governo brasileiro a posse da golden share, ação que dá o direito a veto a diferentes decisões, entre elas, a transferência de controle acionário da companhia. Esse direito não foi exercido agora, por ocasião da venda à Boeing. Mesmo privatizada, a empresa conservou funções estratégicas para o país, inclusive ligadas à defesa nacional.
SOBRE OS 828 MIHÕES NOS ÚLTIMOS ANOS: Nos processos de privatização, em geral, as empresas que não apresentam lucro não atraem a iniciativa privada para comprá-las. Então, tudo indica que a privatização dos Correios, por exemplo, ocorrerá no segmento lucrativo da instituição (entrega de encomendas) e a deficitária (serviços postais) continuaria pública. O setor financeiro e os grandes capitalistas em geral, principalmente estrangeiros, que dispõem de recursos, estão de olho nas atraentes estatais brasileiras, pois elas podem gerar bilhões de dólares de lucros. Os processos de privatização vão impedir que parte dos brasileiros tenha acesso aos serviços fornecidos pelas estatais, porque os serviços deverão encarecer. O risco de uma nova crise financeira internacional Observar o caso da Argentina, cujo governo aplicou programa econômico semelhante ao do governo brasileiro, demonstra em parte o que pode acontecer com a economia brasileira. Além de crescimento medíocre e do empobrecimento da população, a instabilidade financeira tornou a situação dramática no país vizinho. Em 2018, em decorrência de uma crise cambial, o país teve que voltar a recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), sob pena de sofrer um processo de quebradeira financeira. Juros altos, recessão, desemprego nas alturas e inflação de quase 50%, marcaram a economia do país nesse período. Com o resultado das prévias ocorridas em 11 de agosto, nas quais o atual presidente Maurício Macri obteve apenas 32% dos votos, o peso despencou e o mercado de ações apresentou queda de mais de 30%, durante a semana seguinte. Além do efeito sobre preços, a desvalorização cambial pressiona diretamente a dívida pública (equivalente a 88% do PIB do país), da qual 80% são em dólar. Assim, uma desvalorização do peso incide diretamente sobre o estoque da dívida. Em meados de 2018, o FMI concedeu à Argentina o maior empréstimo da história do Fundo: cerca de 57 bilhões de dólares. Os compromissos começarão a vencer em 2021. Até o momento, o FMI já desembolsou 44,1 bilhões de dólares, mas em troca de um duro ajuste fiscal. Diante do resultado das prévias, o governo Macri fez uma série de anúncios, como o aumento do salário mínimo, a melhoria dos planos sociais, além de outras medidas para conter a instabilidade financeira, em evidente tentativa de reverter o cenário nas eleições de outubro. Nesse esforço, em 28 de agosto, o governo argentino declarou moratória para o empréstimo com o FMI, o que, inicialmente, agravou os movimentos especulativos e a fuga de capitais. Apesar do aumento de 100% no salário mínimo e do congelamento dos preços dos alimentos e combustíveis, a tendência é de um agravamento da instabilidade financeira até as eleições de 27 de outubro.
O GOVERNO TENTA CONTER A DESVALORIZAÇÃO do peso, que pressiona ainda mais os preços internos, especialmente pelo fato de que muito preços locais são referenciados em dólar. Na medida em que o dólar fica mais caro, os preços dos produtos e serviços internos acompanham o movimento, com grande pressão sobre os custos de forma generalizada. Na memória recente de parte do povo argentino, é muito viva a dolarização total da economia e a hiperinflação, com todas as dramáticas consequências, inclusive a fome. A alta de preços devido ao aumento do dólar ocorre também nos produtos importados, num ambiente em que a inflação já está muito elevada. Mas as turbulências financeiras não se limitam ao país vizinho ou mesmo à América do Sul. O conflito comercial entre EUA e China pode se transformar em guerra cambial. A China, que já desvalorizou a moeda para contrabalançar as sanções do governo norte-americano, vem mostrando que está disposta a enfrentar a briga. A disputa pela hegemonia mundial se desenrola em todos os campos: tecnológico, político, militar, econômico etc. A rivalidade já afeta o crescimento da economia mundial. Os analistas falam em risco de recessão norte-americana, enquanto a China tem desacelerado o ritmo de crescimento em função de alguns fatores, incluindo o próprio desgaste da batalha comercial com os EUA. Ao mesmo tempo, o PIB da maior economia da Europa, a Alemanha, considerada um dos motores mundiais, recuou 0,1 ponto percentual no segundo trimestre do ano. O dado levantou a possibilidade de uma recessão no país, após uma década de crescimento quase contínuo. A queda nas exportações, em função da crise mundial, foi o principal fator desencadeador do recuo da economia. Enquanto nuvens carregadas se formam no horizonte, o Brasil fecha o guarda-chuva dos trabalhadores. Em vez de expandir o mercado interno e colocar o patrimônio público nacional a serviço do desenvolvimento e do bem-estar da população, o governo retira direitos sociais e trabalhistas de forma sistemática e anuncia a venda de importantes riquezas. Se nos próximos meses o mundo passar a enfrentar outra crise, o Brasil estará em condições diferentes daquelas em que se encontrava em 2008, ou seja, agora, o contexto é de baixo crescimento e desestruturação das políticas econômicas e sociais que seriam essenciais nesse momento. Destruir direitos e mercado interno fará retomar crescimento? Para dar fim ao ciclo de estagnação, que, conforme prometiam, com a aprovação das reformas, deveria se reverter, o governo agora se reporta a medidas que poderão provocar efeitos na economia no longo prazo, como simplificação tributária, qualificação da força de trabalho e elevação do nível de investimentos. Alguns economistas ligados a grupos empresariais têm afirmado, inclusive, que para o Brasil crescer, diante da crise mundial, o país terá que fazer “reformas ainda mais severas”.
O COLAPSO DOS INVESTIMENTOS PRODUTIVOS: O país sofre um verdadeiro colapso de investimentos produtivos. A taxa de investimento no Brasil está no menor patamar em mais de 50 anos, mostrando a debilidade da economia nos gastos com máquinas e equipamentos, construção civil e inovação. Segundo artigo recente2, na média dos últimos quatro anos, a taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) ficou em meros 15,5% do PIB, percentual tão baixo que só é encontrado, na série histórica, na média dos quatro anos entre 1964-1967, após o golpe de Estado. No ano passado, a FBCF estava em 15,8% do PIB. Segundo dados do FMI, a taxa média global ficou em 26,2% do PIB, mais de 10 pontos percentuais acima da verificada no Brasil. Com a queda dos investimentos e o aumento do desemprego, constata-se rápido aumento do número de brasileiros que vive na pobreza. De acordo com o IBGE, os que vivem abaixo da linha de pobreza extrema (cujos ganhos não passam de R$ 7,00 diários) saltaram de 13,5 milhões, em 2016, para 15,2 milhões, em 2017. Quando consideradas as famílias que vivem com menos de R$ 406,00 por mês, o total subiu de 53,7 milhões, em 2016, para 55,4 milhões em 2017. Em 2008, quando explodiu a crise mundial, em pleno epicentro do sistema capitalista, o Brasil soube enfrentar o tsunami com políticas anticíclicas de crescimento, manutenção das políticas sociais, expansão do mercado consumidor interno (via salário mínimo e geração de empregos) e aumento dos investimentos públicos (Minha Casa, Minha Vida, por exemplo). Agora, com a possibilidade de nova turbulência global, o governo desmantela as estruturas econômicas e sociais que poderiam mitigar os efeitos da crise e ainda acena com “reformas mais severas”. Diminuir o mercado interno, empobrecer a população, piorar a vida dos trabalhadores e reduzir direitos sociais e trabalhistas não são maneiras de enfrentar os problemas e estimular o crescimento econômico.
07/10/2019 10:25:01